quarta-feira, 28 de maio de 2008

Inteligência artificial

Uma brincadeira meio a sério....

Um dos lados mais interessantes na discussão sobre inteligência artificial não é tanto o da viabilidade técnica de uma máquina capaz de fazer exactamente o mesmo que o cérebro humano faz, mas, sim, o da questão filosófica:- Afinal, a mente e suas funções mais elevadas, consubstanciadas na inteligência, são privilégios exclusivos do Homem, ou da Natureza?Posto dessa forma, o debate pode parecer meio chauvinista, uma espécie de racismo (?) contra as máquinas: dizer que uma determinada entidade – Máquina - não pode ser inteligente só porque foi construída (e, portanto não nasceu) pode soar mais ou menos como dizer que fulano é meio burro só porque é branco, preto, amarelo ou vermelho. Mas esta questão tem um fundo mais complexo: afinal, se uma máquina puder fazer exactamente o mesmo que a mente, que provas teremos de que a mente é mais do que uma máquina?Neste campo, o argumento contra a inteligência artificial tem uma respeitável base científica: a chamada Objecção Matemática, ou Objecção de Turing. Elaborada por Alan Turing (1912-1954), um dos pais da computação moderna, a objecção é, em resumo, a seguinte: nenhuma máquina é capaz de provar a veracidade da proposição de Gödel. A mente humana pode provar essa veracidade. Logo, a mente não é uma máquina (e, segue-se, nenhuma máquina pode ser uma mente). A proposição de Gödel pode ser formulada numa simples frase. Ela foi usada pelo matemático austríaco Kurt Gödel (1906-1978) na sua famosa demonstração dos anos 30.A Demonstração de Gödel é uma das descobertas científicas mais importantes do século XX - ao lado da Teoria da Relatividade e da Física Quântica - mas é conhecida por um número relativamente pequeno de pessoas. Isto talvez se deva ao facto de ela ter a ver directamente com a lógica e a matemática em estado puro, tema visto como indigesto por muita gente. O que Kurt Gödel demonstrou foi que qualquer sistema lógico, baseado num número finito de princípios básicos e que seja perfeitamente consistente - isto é, incapaz de aceitar ou produzir contradições - contém afirmações que não podem ser provadas, dentro das regras do próprio sistema, como verdadeiras ou falsas.Fazendo uma comparação, é mais ou menos como dizer que em qualquer jogo criado a partir da aplicação perfeitamente lógica de um conjunto fixo de regras, surgirão jogadas que não podem ser julgadas como válidas ou faltosas, de acordo com as próprias regras. No caso do desporto, basta criar novas regras, claro, ou apelar para a interpretação do árbitro. No caso da matemática, isto significa que nenhum sistema lógico se basta a si mesmo, e nem é capaz de compreender-se sozinho a si mesmo: será sempre necessário um sistema maior e mais complexo para dar conta de tudo o que o sistema menor contém (e este sistema maior, para ser entendido integralmente, precisará de um outro, maior ainda; e este último, de um outro; e de outro; e... bom, estão a perceber, não é?). A Demonstração de Gödel deitou por terra várias das aspirações grandiosas dos matemáticos e lógicos do início do século, e se pensarmos bem, levanta uma série de questões sobre, entre outras coisas, os sistemas económicos, políticos, jurídicos, etc. Claro que nenhum destes sistemas é, ou pretende ser, tão lógico e consistente quanto a aritmética, mas a ideia de que nenhum sistema derivado de um conjunto finito de regras se pode justificar a si mesmo de forma lógica, sem cair em contradição, deve pôr dúvidas a qualquer um de nós.Mas, afinal de contas, o que é a Proposição de Gödel, a questão que a mente humana pode aceitar como verdadeira mas as máquinas, não? De uma forma simples ela pode ser formulada como uma pergunta. Imagine-a dirigida a um programa de computador que se supõe inteligente:- É verdade que este programa é incapaz de afirmar que esta frase é verdadeira?Pensemos mais um pouco. Se o sistema for consistente - isto é, incapaz de cair em contradição - ele jamais poderá responder é verdadeira a esta pergunta: ele vai apenas dizer que é verdade que ele não pode dizer que é verdade - um absurdo óbvio. Portanto, é incapaz. Logo, a frase é verdadeira. Isto é, existe uma verdade que o computador inteligente é incapaz de afirmar.Já a mente humana não só é capaz de cair em contradição, como também pode analisar o paradoxo e, até, divertir-se com ele. Mas, será mesmo assim? A Objecção de Turing é antiga, e há tempos que vem sendo bombardeada por uma série de novas possibilidades técnicas - por exemplo, a do computador quântico que, espera-se, será capaz de processar contradições, ou a das redes neurais. Outro ataque à Objecção vai, no entanto, no sentido oposto: o de que a mente humana não é, afinal, muito melhor. Imagine uma brincadeira entre você e um amigo. Seu amigo deve fazer-lhe perguntas que possam ser respondidas simplesmente com - sim ou não - (uma pergunta do tipo: - quantos dedos você tem na mão? não será válida, porque exigirá um número como resposta). As respostas devem ser perfeitamente lógicas. A brincadeira avança por algum tempo, até que seu amigo diz: Você pode responder a esta pergunta com um não? E então? O que você faz?.... Entenda que se trata do mesmo efeito previsto na Demonstração de Gödel: uma pergunta que, embora siga as regras do jogo, não pode ser respondida, de forma lógica, dentro dessas mesmas regras. Então, em que é que a mente humana é melhor que o nosso computador inteligente? Bom, num ponto, pelo menos: noutro nível de linguagem mais sofisticado, fora do jogo, a resposta certa é: sim posso, mas não vou responder, espertinho…. A vantagem da nossa mente parece estar, portanto, na capacidade de ver até aonde a lógica não chega - de pensar fora das regras.Ah, sim!? Então já que o cérebro humano é um sistema constituído por um conjunto finito (?) de regras - físicas, químicas e biológicas - organizadas de forma lógica (enfim, até onde sabemos), será que não existem por aí verdades que estão, por definição, fora de nosso alcance? Nesta circunstância, a linha de separação entre homem máquina fica um tanto quanto borratada….

A Matemática e a Música

A Matemática e a Música
As relações entre a matemática e a música são muito antigas. Já no mundo grego, no séc. VI a.c., os pitagóricos sublinharam o papel desempenhado pelo número e pela proporção na compreensão do universo. Eles consideravam que a música encerra uma aritmética oculta e que a harmonia é a proporção que une os princípios contrários presentes na constituição de qualquer ser. Os pitagóricos distinguiram dois tipos de harmonia, a harmonia sensível, que se faz sentir pelos instrumentos musicais e a harmonia inteligível que consiste na articulação dos números.Neste pequeno e despretensioso trabalho de pesquisa, de carácter simplicista, não pretendemos obviamente abordar todas as dimensões possíveis das relações entre a matemática e a música. Elas são múltiplas e extremamente complexas. Como diz o historiador brasileiro Oliveira: " Se, por um lado, podemos partir da observação dos factos naturais, e tentar mostrar onde está a origem dos sistemas musicais, por outro, podemos também centrar as preocupações teóricas sobre o funcionamento intrínseco da música, procurando estabelecer leis internas, deixando de lado a sua justificação lógica. Enquanto que compositores como Rameau, Zarlino, Hindemith ou mesmo Xenakis, têm sido apologistas convictos do primeiro, do outro lado, nomes como Rousseau, Galilei ou Fétis marcam a sua oposição".E, pergunta ainda, "poderemos nós, Homens do fim do milénio, com todo o conhecimento histórico que possuímos sobre a tradição da música ocidental, argumentar com sucesso a favor de uma arte racional, fundada em factos lógicos ou naturais ou, pelo contrário, essencialmente humana, imperscrutável e imprevisível?"Não é essa certamente a nossa pretensão. Limitamo-nos por isso a apresentar alguns exemplos de como estas duas disciplinas se interligam.Para tal, transcrevemos três reflexões de diferentes épocas sobre esta grande questão:IMESTRE – …..Ao contarmos a série numérica usada (quero dizer 1,2,3,4, e por aí adiante) apercebemo-nos da sua simplicidade facilmente compreensível, mesmo por crianças; mas quando uma coisa é comparada desigualmente com outra, o procedimento recai sob os diversos domínios da desigualdade; assim, na Música, filha da Aritmética (isto é, a ciência dos números), os sons são enumerados por uma simples ordem, mas quando soam em conjunto com outros, contêm não só as variadas espécies de harmonias belas, mas também as maravilhosas razões que as explicam.DISCÍPULO – Como é que a Harmonia nasceu da Aritmética, como se esta fosse sua mãe; e o que é a Harmonia, e o que é a Música?MESTRE – A Harmonia pode ser considerada como uma mistura concordante de sons desiguais. A Música é a teoria da concordância em si mesma. E a ela se junta também a teoria dos números, como acontece nas outras disciplinas da Matemática, e é através dos números que devemos compreender.DISCÍPULO – Quais são as disciplinas da Matemática?MESTRE – Aritmética, Geometria, Música e Astronomia.DISCÍPULO – O que é a Matemática?MESTRE – É a ciência doutrinal.DISCÍPULO – Porquê doutrinal?MESTRE – Porque trata de quantidades abstractas.(...)DISCÍPULO – O que é a Aritmética?MESTRE – A disciplina das quantidades numeráveis.DISCÍPULO – O que é a Música?MESTRE – A disciplina racional da concordância e discrepância nos sons, de acordo com números, e suas relações com as coisas que se encontram nos sons.DISCÍPULO – O que é a Geometria?MESTRE – A disciplina das magnitudes imóveis, e das formas.DISCÍPULO – O que é a Astronomia?MESTRE – A disciplina das magnitudes móveis que contempla os percursos dos corpos celestes, e debruça-se racionalmente sobre as órbitas das estrelas à volta de si mesmas e à volta da Terra.DISCÍPULO – Porque é através da ciência dos números que as outras três disciplinas existem?MESTRE – Porque tudo o que é abarcado por essas disciplinas existe através da razão dos números, e sem números não pode ser compreendida ou transmitida." (Scholia Enchiriadis, séc. X, cit. in Oliveira).II"Geralmente, quando se compõe, começa-se por imaginar um som, por vezes verifica-se e corrige-se ao piano, depois escreve-se: anota-se. Será que existe uma diferença fundamental entre este método de trabalho tradicional e a composição de música de síntese, feita por um computador? Quando estamos diante do monitor do terminal, também imaginamos um som, experimentamo-lo, corrigimo-lo e finalmente armazenamo-lo numa linguagem informática. Neste processo é claro que estamos a traduzir as nossas reacções em números e quantificamos todos os parâmetros com a maior a maior precisão, mas a nossa reacção é, sobretudo, emocional. As palavras e toda a filosofia não são capazes de dar conta toda a precisão e objectividade deste domínio essencial da actividade humana. Por outro lado, é esta obrigação de nos debruçarmos sobre a essência de uma emoção e de a traduzirmos em cálculos precisos que torna o trabalho de composição feito com o auxílio do computador extraordinariamente fascinante. Há um sentimento de estarmos a contemplar um espelho insolentemente fiel, e que constantemente nos coloca questões pertinentes. Modificamos um parâmetro e reagimos emocionalmente ao resultado. Modificamos outro parâmetro e essa mudança produz outra emoção, subtilmente diferente, até talvez desconcertante. Outra modificação... etc., etc., e assim repetimos centenas de vezes este vaivém entre o objectivo e o subjectivo, até se atingir uma espécie de adaptação mútua."Basta-nos debruçar sobre a natureza do Homem, para podermos compreender aquilo que é a música do Homem. Pois o que pode unir o corpo físico com a actividade incorporal da razão, senão uma espécie de adaptação mútua, da mesma forma que os sons graves e os agudos se unem numa consonância única? Que outra operação pode unir as partes da própria alma e realizar aquilo que, para Aristóteles, é a união do racional com o irracional?" (Boécio).Até ao momento presente, nunca foi possível analisar a este ponto as relações desconcertantes e talvez um pouco perturbadoras que ligam a música à matemática. Para o espírito medieval (e talvez nos nossos dias ainda seja pertinente), esta relação era de ordem metafísica; o homem moderno refuta as explicações metafísicas, que considera como sendo muito generalistas. Ao pôr em destaque as configurações exactas da música matemática – que, para ser música deve responder a um sentido estético ou espiritual, considerado até então profundamente irracional – aproximamo-nos de uma melhor compreensão de nós próprios. As aplicações mais correntes da inteligência artificial, não permitem uma tal compreensão do cérebro e do intelecto, embora estes domínios não lhe sejam alheios. O que se experimenta ao trabalhar num programa de síntese, esse sentimento estranho de escrutinar o próprio fundo da consciência, parece-me que a música, mais uma vez, se aproxima da essência do debate filosófico. Para certos pensadores, com Marvin Minsky, a linguagem e a linguistica já não podem fornecer, ao contraio da música, as chaves para a análise do funcionamento intrínseco do pensamento" (Jonathan Harvay, cit. in Oliveira).III"É obvio que em arte, o sentido do que é habitualmente chamada "lógica" tem de ser modificado de alguma forma, mesmo que a mente humana, de uma forma geral, seja capaz de ter uma única forma de pensamento. Numa construção estritamente lógica, no sentido cientifico, as variações de um motivo (ou de um grundgestalt, etc.) teriam de ocorrer de uma maneira sistemática e deveriam conduzir a uma finalidade preestabelecida. No entanto a dificuldade encontra-se na nomeação dessa finalidade, já que não existe (até agora) uma tal finalidade na música, e é impossível conceber uma tal ideia musical que para aí se dirija. No entanto, se deixarmos de tomar em consideração essa finalidade, qualquer desenvolvimento sistemático poderia ser feito de tal maneira que, primeiramente o ritmo e depois os intervalos (ou vice-versa), poderiam ser sujeitos a processos de variação, ou mesmo ambos poderiam ser variados simultaneamente ou alternadamente. É fácil imaginar que o resultado de tal procedimento mecanizado não seria equivalente à forma como a música funciona: ou seja obter-se-iam inumeráveis repetições supérfluas (embora variadas) de gestalten, que seriam, na sua maior parte, desinteressantes e sem expressão. E ainda poderemos acrescentar que a ciência não se iria preocupar com a produção de cada um destes gestalten, mas conter-se ia em delinear os princípios que lhe dão origem." ( Arnold Schoenberg, cit. in Oliveira)